DESMANCHE


era um cuidado absurdo que a fazia apertar
o queixo contra seus dedos para pentear-lhe os cabelos,
um carinho que assemelhava à seca do nordeste,
de tanto que não podia sobrar nadinha da papa no pote!
ela corria, escondia-se embaixo da mesa com medo da poça no meio do colchão,
mas de nada adiantava, seu corpo ficava marcado
com aquela cinta velha e descascada de couro avermelhado.
No calor gostava dos banhos nas bacias grandes de alumínio,
achava lindo o refletir do sol na água,
mas não podia se demorar, pois mesmo que fosse seu irmão,
havia aprendido que meninas não brincavam com meninos.
tinha extrema necessidade de proteção, por isso na rua,
agarrava firme com suas pequenas mãos um pedaço do casaco da mãe,
e tentava com dificuldade alcançar-lhe os passos.
ela amava a mãe, mas não conseguia entender porque tanta opressão,
mesmo nunca tendo passado essa palavra por sua cabeça,
vivia com medo e pensava que todas as crianças passavam por isso também,
então logo se conformava, esquecia e corria em alta velocidade
nas carcaças de carros velhos daquele desmanche.

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