MIRÍADE

Abre a porta, sua fragrância e um elegante salto alto denunciam sua chegada. Os olhos alheios a percorrem dos pés às pernas longilíneas, observando a sutileza e o segredo de cada detalhe naquele corpo esguio, até se depararem pasmos com aquele envolvente olhar que, se fixam, declaram sem palavras a imensidão dos sentidos. Termina assim entrando singelamente como se tivesse recebido um convite, portando um leve e misterioso sorriso nos lábios.

Mudos exceto pelo som dos pensamentos, pela pulsação dos corações e pelo atrito que o salto causava no encontro com o carpete de madeira...

Enche os olhos ao perceber tulipas e girassóis amarelos em sua grandeza enfeitando a janela do seu lado esquerdo. Mexe nos discos e brevemente um som descontraído, porém envolvente preenche todo o cômodo sem deixar lacunas.

Ainda sem proferirem uma só palavra apenas se observam, como se não conhecessem suas peculiaridades.
Palavras ditas apenas pela troca de olhares, tão profundos e intensos que seriam capazes de cegar!

Então ela encena e contracena, acende um incenso de mirra e oferece a ele que apenas observa vivaz... Ela continua sua arte, proferindo seus poemas dando ênfase às palavras, canta uma canção desconhecida com um timbre extremamente doce, convidando com seus gestos que passam lentamente de encenação à verdade cravada. Apaga as luzes, porém as sombras logo aparecem espalhadas de maneira disforme nos anteparos, refletidas pela luz das velas nos castiçais...

Agora dança perfeitamente, sua imagem tênue jamais enquadrada em nenhuma compreensão; se integra no ser do Cômodo trazendo ares de uma outra dimensão. Olhares encontram-se novamente numa miríade de desejo ardente consumindo...
 
Ele ébrio, tonto, entrega-se àqueles braços sagazes que movimentavam vez ou outra seu véu contra a luz das velas... Próximos dançam.
 
Os corações como moinhos de ventos afastando o desnecessário.
 
Dança sinérgica de volúpia e sussurros. Noite estrelada confundindo-se com o momento, com a música. Luz dourada da lua cheia misturando-se à tez, ao desejo incólume, ao deslizar das tramas e ao recôndito das brumas tântricas até o alvorecer na varanda.
 
Ana Mais do Que Nunca

Comentários

Postagens mais visitadas