A CONDENAÇÃO
Era bonito ver o céu lilás daquele jeito... Aquele reflexo vertical brilhante penetrava por entre as árvores os espaços que os galhos das arvores frondosas deixavam...
As águas dos rios que cercavam eram calmas e cristalinas, sentir o solo sob os pés era algo inexplicável!
E correr com os animais? E subir em árvores? E entranhar-se naquelas águas? E observar a matize das borboletas e flores?
Um prazer!
Uma plenitude!
Tudo estava bem e seguro...
Tudo muito claro e limpo; ah! A paz!
Ela brincava nas margens do rio Pison quando de repente se deparou com sua imagem refletida.
Surpresa observou por algum tempo, tocou com carinho e se assustou, pois percebeu que seu reflexo oscilou; aguardou pacientemente até que sua imagem se estabilizasse novamente. Ansiosa tocou outra vez e outra vez ondulou, formou círculos concêntricos. Intrigada com o cenho franzido fez careta e até achou bonito seu sorriso refletido, mas subitamente foi invadida por um receio titânico: Além da imagem refletida o que mais oscilava?
Até que ponto tudo que tinha era verdade?
Por que ser privada dessa verdade?
O que era a verdade?
Olhou pra todo aquele paraíso com uma suspeita tão profunda que toda aquela beleza se transformou em espanto e melancolia: Um manto negro sobre sua alma...
Transparecia em seu semblante a angústia, ressentida e extremamente insegura sentia sua integridade ameaçada e como dividir isso com seu companheiro?
Era um aperto tão grande que fazia toda aquela claridade perder o brilho. Não, definitivamente não sabia que era medo e solidão, pois nunca havia sentido antes...
Eram tantas as questões que se emaranhava toda. Confundia-se, perdia-se no meio delas...
Recorreu à sua imagem refletida, não sabia mais se o que ouvia era a víbora-verdade ou mentira maquiada como as vermelhas maçãs de seu rosto!
Algo espesso borbulhava por dentro tomando de conta de todos os seus órgãos e se externando, se externando...
Era ódio?
Amor?
Indiferença?
Nada podia classificar além do sentimento de frustração. Fora sabotada?
Como vir da costela de um homem que veio do pó?
O que fazia por ali?
Observava a natureza, ouvindo pássaros e águas apenas?
Pra onde iria?
E o que era tudo isso que estava sentido?
Ouvia sua consciência viperina sussurrar que havia algo errado... Havia algo mais...
Condenada à liberdade dirigiu-se ao centro do paraíso e sentiu a proximidade de algo que só ela podia se permitir...
O fruto assim sendo saboreado, o gosto tomando de conta das entranhas, do paladar da alma dilacerada... Foi além de simplesmente provar, tocou, se permitiu, sentiu, entrou em contato com aquela invasão bárbara!
Podia enxergar e sentir em proporções maiores, o que lhe causava um espanto encantador; viu-se verdadeiramente pela primeira vez!
Nua?
Sim! Despida por não possuir nada que fosse construído por suas próprias mãos, pela sua própria capacidade, “tinha” apenas as belezas edénicas e limites impostos...
Sentiu-se enojada ao lembrar e repetida vezes proferiu:
- Mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; (...)
Em nenhum momento se sentiu superior Àquele que a havia criado.
Teria mesmo criado?
Sentiu-se completa em essência, em seu direito de ser humano...
Envenenada ainda ouviu um sussurro:
- A razão é o que te difere dos outros animais...
Sorriu um sorriso ora aliviado por se libertar de seus grilhões, ora angustiado por não saber como e o que fazer com aquilo...
Deixar ali o seu antecessor? Jamais podia ser egoísta e hipócrita a tal ponto!
Sabia agora que a pulsão que lhe dirigia as escolhas era de vida e pensando nele sentiu uma enorme ternura, amor.
Essa mesma força a ajudaria a elucidar os acontecimentos, dependeria apenas da escolha de seu companheiro: aceitar ou não essa “verdade”...
Sabia que se a escolha fosse negativa tudo pra sempre estaria perdido, vagaria longe do paraíso condenada e sozinha;
Positiva? Tudo estaria ganho, afinal era uma só carne; estariam condenados longe do paraíso, mas acompanhados!
Teria ele já visto sua imagem refletida oscilar?
De maneira que a tarde caia, ela se aproximou dele e fez um convite:
- Feche os olhos que quero levá-lo a um lugar...
- Onde? Perguntou ele com voz calma.
- Segredo! Disse cheia de poder.
Era indubitável que sentiu algo diferente, ele não sabia dizer o que, apenas sentia que esse algo lhe isentava de sentimentos perversos...
Ela fez um enorme esforço ficando na ponta dos pés, se estendendo o quanto podia para alcançar-lhe os olhos, cobriu com suas mãos pequenas e o guiou...
Chegando às margens do rio ela deixou sua visão livre e disse:
- Preciso que escute com muita cautela o que vou lhe dizer.
Ele acenou a cabeça positivamente.
-Hoje vi minha imagem refletida nessas mesmas águas que estão à sua frente... Quero que olhes a tua imagem!
Ele sem hesitar aproximou-se do rio, agachou e foi esticando-se até conseguir ver seu rosto refletido, mesmo com a luz fraca observou enquanto ela complementou:
- Observei, toquei e por mais de uma vez a vi oscilar, ondular, formar círculos concêntricos... Toca nessa tua imagem...
Ele tocou, viu também que oscilou. Esperou, tocou novamente e se confirmou o que ouvira. E mergulhou num mundo muito seu, interno, intimo, apenas e somente seu; enquanto ouvia distante a voz dela:
- Tu tens nas mãos a escolha que tive: descobrir que todos esses limites que nos foram impostos são totalmente relativos, eles oscilam; ou de ficar aqui com todos esses encantos, que a meu ver agora são enganosos, já é vinda a nossa condenação! Trouxe-te aqui por amor, por ser como eu – humano! Assim como também tenho certeza que se descobrisse alguma “verdade” não amargaria sozinho, eu cri que viesses comigo já que sou parte tua. Descobrindo eu esta verdade e guardando pra mim seria incompleta e inválida, visto que eu já não mais habitaria ao teu lado neste paraíso.
Em algum momento ele vagamente lembrou-se da promessa de expulsão do paraíso, das dores que sua companheira poderia sentir ao proporcionar a luz a uma vida e da imposição do trabalho, mas isso era tão pequeno perto daquilo tudo que o inebriava que logo passou, assim como uma forma pensamento, subitamente uma voz no seu íntimo sussurrou:
- Gostas do que vês? Assusta-se com o que vês?
Ele achando ser sua companheira tentou responder, mas ouviu ainda:
- Shiiih! Não! Responda só pra você. Existem mais coisas na terra e no céu do que se pode imaginar.
Ele como se acordasse de um sonho dirigiu seu olhar desesperado pra sua companheira e disse rapidamente:
- Onde é o centro?
Ela lhe respondeu:
No teu centro só tu podes chegar e saborear desse fruto. Sabes que isso pode trazer muitas perdas e infortúnios, mas o que vir após essa escolha será do próprio merecimento! E ainda serás diferente dos demais...
Percebendo sua condenação irrevogável, angustiado se dirigiu até o centro e abocanhou voraz o fruto do conhecimento, da ciência, da certeza, da convicção. O que mudaria pra sempre sua vida...
E juntos enxergaram-se pobres, nus, sem nada, exceto pelas mãos e a vida repletas de coragem, desejo de mudança. Não importava mais se o mundo foi criado em seis dias ou se ele havia emergido de uma nuvem densa de partículas do espaço...
Essa foi escolha! Pulsão de vida e morte; claro e escuro. A gangorra mutável da vida composta pela percepção de que se hoje está em baixo, posteriormente estará em posição elevada, eis a única, imutável e mais poderosa regra: ação e reação.
A sede pela busca, pelo saber, não mais existir por existir, mas ter um motivo!
Libertos do medo da expulsão do paraíso que já nem era tão atrativo pelas suas belezas se revelarem tão ilusórias, pra que precisariam dele se podiam criar um? Se tinham nas mãos um grande poder e no interior outros objetivos?
Ah! Se ela não tivesse percebido que sua imagem oscilava e mais que isso não tivesse despertado a curiosidade, a consciência viperina!
Ficariam ali enquadrados no paraíso de belas formas e cores, eternamente entrando nas águas, sem perceberem que as oscilações não acontecem apenas na imagem refletida, mas em todo o universo!
Expulsos do paraíso para sempre.
Condenados à liberdade para sempre, ainda buscam sua verdade!
Ana Mais do Que Nunca
As águas dos rios que cercavam eram calmas e cristalinas, sentir o solo sob os pés era algo inexplicável!
E correr com os animais? E subir em árvores? E entranhar-se naquelas águas? E observar a matize das borboletas e flores?
Um prazer!
Uma plenitude!
Tudo estava bem e seguro...
Tudo muito claro e limpo; ah! A paz!
Ela brincava nas margens do rio Pison quando de repente se deparou com sua imagem refletida.
Surpresa observou por algum tempo, tocou com carinho e se assustou, pois percebeu que seu reflexo oscilou; aguardou pacientemente até que sua imagem se estabilizasse novamente. Ansiosa tocou outra vez e outra vez ondulou, formou círculos concêntricos. Intrigada com o cenho franzido fez careta e até achou bonito seu sorriso refletido, mas subitamente foi invadida por um receio titânico: Além da imagem refletida o que mais oscilava?
Até que ponto tudo que tinha era verdade?
Por que ser privada dessa verdade?
O que era a verdade?
Olhou pra todo aquele paraíso com uma suspeita tão profunda que toda aquela beleza se transformou em espanto e melancolia: Um manto negro sobre sua alma...
Transparecia em seu semblante a angústia, ressentida e extremamente insegura sentia sua integridade ameaçada e como dividir isso com seu companheiro?
Era um aperto tão grande que fazia toda aquela claridade perder o brilho. Não, definitivamente não sabia que era medo e solidão, pois nunca havia sentido antes...
Eram tantas as questões que se emaranhava toda. Confundia-se, perdia-se no meio delas...
Recorreu à sua imagem refletida, não sabia mais se o que ouvia era a víbora-verdade ou mentira maquiada como as vermelhas maçãs de seu rosto!
Algo espesso borbulhava por dentro tomando de conta de todos os seus órgãos e se externando, se externando...
Era ódio?
Amor?
Indiferença?
Nada podia classificar além do sentimento de frustração. Fora sabotada?
Como vir da costela de um homem que veio do pó?
O que fazia por ali?
Observava a natureza, ouvindo pássaros e águas apenas?
Pra onde iria?
E o que era tudo isso que estava sentido?
Ouvia sua consciência viperina sussurrar que havia algo errado... Havia algo mais...
Condenada à liberdade dirigiu-se ao centro do paraíso e sentiu a proximidade de algo que só ela podia se permitir...
O fruto assim sendo saboreado, o gosto tomando de conta das entranhas, do paladar da alma dilacerada... Foi além de simplesmente provar, tocou, se permitiu, sentiu, entrou em contato com aquela invasão bárbara!
Podia enxergar e sentir em proporções maiores, o que lhe causava um espanto encantador; viu-se verdadeiramente pela primeira vez!
Nua?
Sim! Despida por não possuir nada que fosse construído por suas próprias mãos, pela sua própria capacidade, “tinha” apenas as belezas edénicas e limites impostos...
Sentiu-se enojada ao lembrar e repetida vezes proferiu:
- Mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; (...)
Em nenhum momento se sentiu superior Àquele que a havia criado.
Teria mesmo criado?
Sentiu-se completa em essência, em seu direito de ser humano...
Envenenada ainda ouviu um sussurro:
- A razão é o que te difere dos outros animais...
Sorriu um sorriso ora aliviado por se libertar de seus grilhões, ora angustiado por não saber como e o que fazer com aquilo...
Deixar ali o seu antecessor? Jamais podia ser egoísta e hipócrita a tal ponto!
Sabia agora que a pulsão que lhe dirigia as escolhas era de vida e pensando nele sentiu uma enorme ternura, amor.
Essa mesma força a ajudaria a elucidar os acontecimentos, dependeria apenas da escolha de seu companheiro: aceitar ou não essa “verdade”...
Sabia que se a escolha fosse negativa tudo pra sempre estaria perdido, vagaria longe do paraíso condenada e sozinha;
Positiva? Tudo estaria ganho, afinal era uma só carne; estariam condenados longe do paraíso, mas acompanhados!
Teria ele já visto sua imagem refletida oscilar?
De maneira que a tarde caia, ela se aproximou dele e fez um convite:
- Feche os olhos que quero levá-lo a um lugar...
- Onde? Perguntou ele com voz calma.
- Segredo! Disse cheia de poder.
Era indubitável que sentiu algo diferente, ele não sabia dizer o que, apenas sentia que esse algo lhe isentava de sentimentos perversos...
Ela fez um enorme esforço ficando na ponta dos pés, se estendendo o quanto podia para alcançar-lhe os olhos, cobriu com suas mãos pequenas e o guiou...
Chegando às margens do rio ela deixou sua visão livre e disse:
- Preciso que escute com muita cautela o que vou lhe dizer.
Ele acenou a cabeça positivamente.
-Hoje vi minha imagem refletida nessas mesmas águas que estão à sua frente... Quero que olhes a tua imagem!
Ele sem hesitar aproximou-se do rio, agachou e foi esticando-se até conseguir ver seu rosto refletido, mesmo com a luz fraca observou enquanto ela complementou:
- Observei, toquei e por mais de uma vez a vi oscilar, ondular, formar círculos concêntricos... Toca nessa tua imagem...
Ele tocou, viu também que oscilou. Esperou, tocou novamente e se confirmou o que ouvira. E mergulhou num mundo muito seu, interno, intimo, apenas e somente seu; enquanto ouvia distante a voz dela:
- Tu tens nas mãos a escolha que tive: descobrir que todos esses limites que nos foram impostos são totalmente relativos, eles oscilam; ou de ficar aqui com todos esses encantos, que a meu ver agora são enganosos, já é vinda a nossa condenação! Trouxe-te aqui por amor, por ser como eu – humano! Assim como também tenho certeza que se descobrisse alguma “verdade” não amargaria sozinho, eu cri que viesses comigo já que sou parte tua. Descobrindo eu esta verdade e guardando pra mim seria incompleta e inválida, visto que eu já não mais habitaria ao teu lado neste paraíso.
Em algum momento ele vagamente lembrou-se da promessa de expulsão do paraíso, das dores que sua companheira poderia sentir ao proporcionar a luz a uma vida e da imposição do trabalho, mas isso era tão pequeno perto daquilo tudo que o inebriava que logo passou, assim como uma forma pensamento, subitamente uma voz no seu íntimo sussurrou:
- Gostas do que vês? Assusta-se com o que vês?
Ele achando ser sua companheira tentou responder, mas ouviu ainda:
- Shiiih! Não! Responda só pra você. Existem mais coisas na terra e no céu do que se pode imaginar.
Ele como se acordasse de um sonho dirigiu seu olhar desesperado pra sua companheira e disse rapidamente:
- Onde é o centro?
Ela lhe respondeu:
No teu centro só tu podes chegar e saborear desse fruto. Sabes que isso pode trazer muitas perdas e infortúnios, mas o que vir após essa escolha será do próprio merecimento! E ainda serás diferente dos demais...
Percebendo sua condenação irrevogável, angustiado se dirigiu até o centro e abocanhou voraz o fruto do conhecimento, da ciência, da certeza, da convicção. O que mudaria pra sempre sua vida...
E juntos enxergaram-se pobres, nus, sem nada, exceto pelas mãos e a vida repletas de coragem, desejo de mudança. Não importava mais se o mundo foi criado em seis dias ou se ele havia emergido de uma nuvem densa de partículas do espaço...
Essa foi escolha! Pulsão de vida e morte; claro e escuro. A gangorra mutável da vida composta pela percepção de que se hoje está em baixo, posteriormente estará em posição elevada, eis a única, imutável e mais poderosa regra: ação e reação.
A sede pela busca, pelo saber, não mais existir por existir, mas ter um motivo!
Libertos do medo da expulsão do paraíso que já nem era tão atrativo pelas suas belezas se revelarem tão ilusórias, pra que precisariam dele se podiam criar um? Se tinham nas mãos um grande poder e no interior outros objetivos?
Ah! Se ela não tivesse percebido que sua imagem oscilava e mais que isso não tivesse despertado a curiosidade, a consciência viperina!
Ficariam ali enquadrados no paraíso de belas formas e cores, eternamente entrando nas águas, sem perceberem que as oscilações não acontecem apenas na imagem refletida, mas em todo o universo!
Expulsos do paraíso para sempre.
Condenados à liberdade para sempre, ainda buscam sua verdade!
Ana Mais do Que Nunca
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