INCONSEQUENTE

A tristeza era aparente, mendigava instruções de como lidar, como se comportar, como tratar.
Tinha medo de perder.
Mal sabia que nada tinha em mãos.
Havia se tornado a ironia de tudo que outrora criticou.
Tinha visto já essa situação e ao olhar nos olhos dela com certeza se lembrou de como aconteceu e de todas as críticas que havia inferido, mas não podia dizer, pra ela não, nada...
Foi ao banheiro, ao olhar-se no espelho sentiu vergonha de si mesmo, se arrependeu das palavras torpes, pensou: “na mesma medida que medir será medido”... Parou, lavou o rosto, mas tudo isso não o isentava da balança desequilibrada, do desespero que brotava na alma, do frio da insegurança...
Voltou para a mesa onde se encontravam os convidados, tentava certa concentração, um sorriso cínico, forçado, mais um pouco desceria uma lágrima grande e pesada e o grito arrebentaria a porta dos seus lábios, esquecendo todo ateísmo e pediria: Pelo amor de Deus me ame! Mas não, não chorou, nem gritou... Quase...
Mas todas as músicas, todas as vozes, todas as pessoas, as risadas, os gritinhos de felicidade raspavam contra a pele da alma, e no íntimo crescia uma profunda irritação, sentia que ali não era seu lugar, nem ali estavam seus amigos, chegou até a pensar que não era bem vindo... Mas permanecia, cedia a própria vontade, dizia ser amor, mas ainda não havia provado o verdadeiro amor, não havia reconhecido o que era amor... Jamais se negaria, jamais aceitaria estar num lugar onde não deveria e jamais olharia um ser humano com posse...
Mais tarde lembraria com nojo de si mesmo por perder o equilíbrio e mostrar tanta fragilidade e solidão, por de repente mudar de idéia e querer uma família e filhos bonitinhos correndo pela casa, uma vez por mês compras no supermercado e no fim de semana, praia. E, ainda não havendo maturidade suficiente, olharia para o outro (“sua posse”) também com repugnância!
A dureza, a arrogância foi se apagando ao passo que o doce veneno do escorpião misturava-se ao sangue, mas um detalhe que foi esquecido, nessa dança de acasalamento a fêmea freqüentemente come o macho no final.
Mas é muito ingênuo acreditar que isso pode ir pra frente da maneira que está!
Deve saber a verdade, alguém deve ter contado, ou na certa já leu em alguns dos milhares de livros que manuseia todos os dias... Ou aquela situação em que esteve presente do outro lado, e que ainda opinou julgando o errado da história não acrescentou nada...?
Ou mesmo sendo ou se considerando inconseqüente já ouviu a verdade...
Mostrou-se tolo, fraco sem armas no lugar outrora criticado por si próprio, não podia acreditar nas evidências isso lhe deixava atordoado, impaciente, rancava suspiros profundos e alavancava uma angustiam tão grande que andava, andava de um lado pra outro porque precisava preencher aquele vazio com algo...
Sempre achou o termo “correr atrás” forte demais, afirmava isso o tempo inteiro, como então ter reciprocidade? Percebia certa indiferença ao ser tratado, não via ninguém sair do lugar, dizer nada que queria ouvir e nem demonstrar ao menos um cisco de emoção...
Mergulhava numa profunda insatisfação...
Era quase uma loucura que lhe abraçava e fazia dizer coisas como “sem você não vivo” ou “eu vou me matar”...
Não tinha conhecimento da coisa rança, do enojamento do outro, das esperas previsíveis, das fugas...
Não tinha conhecimento dos olhos que enxergaram de fora com tristeza seu insucesso, seu desequilíbrio e frustração.
Não tinha conhecimento das palavras guardadas e talvez realmente nem pudesse suportar tamanha força...
Algumas almas satisfeitas,
Algumas já dormiam...
Na madrugada amena transbordava em demasiada gentileza que lhe era devolvida em golfadas cortantes...
Um adeus.
Era aparente que todo aquele redemoinho interno devastava cada vez mais a alma já dilacerada.

Ana Mais do Que Nunca

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