FERIDA

No espelho observou sua ferida, não admitia o fato da sua causa ser a auto desaprovação, não havia ainda um ato que tivesse abominado nas profundezas de seu íntimo!
bstinada.
Supôs quando a luz vermelha-alerta acendeu, mesmo assim prosseguiu.
Separou cuidadosamente os seus pertences para não errar, não alimentou expectativas, dessa vez planejou.
Ela e sua mania de perfeição.
Por mais que tentasse fugir da rotina, o caminho era o mesmo, praticamente as nuvens de pensamentos que a rondavam eram as mesmas.
Estava pra chover.
A tarde foi preenchida por conceitos de razão, intuição, experiência e conhecimento, logo cobertos pelo véu negro da noite que trazia um presente.
Havia paz, seu estado sereno se encaixava perfeitamente dentro daquele sorriso riscado na face, mas subitamente um vento muito forte, um redemoinho, um furacão ou qualquer outra força que possa tirar tudo do lugar veio, e tirou... Até mesmo sua própria ação, suas palavras, sua cor, suas respostas positivas e negativas!
Acabara de descobrir que odiava posturas imprevisíveis tanto quanto as previsíveis... As previsíveis, porque sempre encarou com tédio e as imprevisíveis porque lhe tiravam o chão e mais que isso, o cume... Por que não havia um equilíbrio?
As passadas eram velozes, ferozes, vorazes, envolta numa espécie de ódio, de dor, de milágrimas contidas, tudo que queria era o fim daquela tortura... Datilografia, furadeira, maçarico, secador, batedeira, liquidificador, trator, fusca, helicóptero, máquinas, o salto alto no asfalto, de cara no asfalto...
Lançado em seu rosto os planos inúteis, na noite.
Intimamente sensibilizada, não conseguia proferir sequer um dos milhões de adjetivos pejorativos que se dera em poucos minutos que mais pareciam horas. Não podia perder o ônibus!
Via-se dentro de um processo necessariamente doloroso. Perdia-se dentre os tentáculos do improvável, do imprevisto, misturava-se, dissolvia-se em tudo que lhe empurrava para baixo, em todos os espinhos que rasgavam sua carne e como num ato de crueldade derramavam seu sangue...
Enxergava as imagens em descompasso, indo vindo, vezenquando abrindo-se e envolvendo-a.
Passou para o outro lado com meia certeza e uma guerra que explodia... A espera infindável sentada com as pernas cruzadas a mão direita entre as pernas, se observava de longe, imaginando o quanto foi incabível consigo mesma.
O balanço do trem ia tirando a única coisa que restava no lugar, a lágrima...
Olhos orientais arregalaram-se para acreditar na cena do velório, um cadáver magro e pálido, com flores até os joelhos no vagão de um trem... Da janela apenas a escuridão externa, interna...
Havia deixado na estação certezas e conceitos que alimentara, desaprendeu também o que era só ser para aprender o que era ser só!
Uma vontade de deixar a janela em estilhaços lhe preencheu, esta refletia a própria imagem. Havia ainda uma longa viagem pra chegar em casa e em cada dedo uma chance de aprender a mesma lição que dolorosamente lhe era aplicada por longos anos...
Estarrecida, deixava aos poucos envolver-se pelo encanto da certeza de que a dor presente seria a responsável por sua maturidade.
Pensava nas sensações, eram as mesmas! Sufocante, de uma cor forte, subindo pelas entranhas, esmagando, pisando, cortando, ferindo, envolvendo, misturando, triturando, resumindo ao pó... Vento voltando e espalhando, via-se em toda parte, todo espelho, todo ser...
Ao passo que se deixava encantar pelos caminhos que levavam a conhecer-se por meio da dor, era dominada também por uma espécie de nojo e repugnância!
Doía porque não esperava, não podia, não havia o quê e nem queria, encantava-se pelo fato de não ser vão.
Tudo se tornava uma coisa só, misturada ao sangue das feridas, da morte que morreu em 5 minutos, de tudo que se perdeu e não tornou a ser, do sentimento modificado adensando-se, da potência de vida que é capaz e estava negando, da intuição que ignorou, das experiências que frente a ela se acharam inúteis, do conhecimento adquirido, da razão entendida na tarde de sábado.
As lágrimas que escorreram reluziam em orgulho, lavando a face triste e descorada.
Fraca, braços moles alcançaram seu destino, sem voz, sem vez adormeceu pra esquecer, esqueceu pra acordar, acordou pra chegar... Chegar onde? Pensava. Que conclusão? Existe conclusão?
Ah! Lembrou que o fato de todas as vezes ter se ferido na guerra nem sempre foi por lutar pelos seus ideais, mas por esquecer a si mesma.

Ana Mais do Que Nunca


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